quinta-feira, 5 de julho de 2012

CASO NONNO PAOLO: POLÍCIA CONCLUI QUE MENINO SOFREU RACISMO AO SER EXPULSO DE PIZZARIA


 Edição: Adilson Gonçalves Fonte G1
A Polícia Civil de São Paulo concluiu nesta terça-feira (26) o inquérito sobre o caso do menino etíope que, no fim do ano passado, teria sido expulso de um restaurante italiano e pizzaria, na Zona Sul da capital paulista, onde havia ido com seus pais adotivos, que são espanhóis. No relatório que será entregue à Justiça, o 36º Distrito Policial, no Paraíso, informa que o pai do proprietário do Nonno Paolo deve responder pelo "crime de racismo" por ter colocado o garoto para fora e o impedido de voltar porque ele é negro. A criança teria sido confundida com um morador de rua.

O fato ocorreu no dia 30 de dezembro de 2011. Francisco Carlos Ferreira, de 56 anos, está solto, mas foi indiciado por "constrangimento ilegal resultante de preconceito de raça ou cor", segundo o delegado Márcio de Castro Nilsson. Caso seja condenado, a pena pode ser de até 6 anos de reclusão. Procurado pelo G1 para comentar o assunto, o investigado, que ajuda no filho na pizzaria, negou as acusações e alegou que houve um "mal-entendido" (leia mais abaixo).

Segundo a polícia, o garoto, que tinha 6 anos na época, não falava português e tinha ido ao restaurante acompanhado dos pais, que estavam visitando o Brasil, e de outros parentes. Quando o casal e familiares foram buscar comida, a criança ficou esperando, sentada à mesa, mas foi pega pelo braço por Francisco que a colocou para fora e a impediu de voltar, de acordo com a investigação.

O caso

A tia-avó do garoto, a aposentada Aurora Junqueira, de 78 anos, reconheceu Francisco como o homem que expulsou o garoto. Segundo o delegado Nilsson, câmeras de segurança gravaram o momento que o menino aparece do lado de fora do Nonno Paolo. A criança estava chorando quando foi encontrada pela família a um quarteirão de distância do local.

A mãe dele, que se identificou como Cristina, 42, técnica de administração acadêmica na Universidade de Barcelona, tinha vindo ao país com o marido Jordi, também espanhol. O garoto foi adotado aos 4 anos de idade.

"Foi um desespero, a primeira coisa que eu pensei foi que alguém havia levado ele [garoto] embora e que não iríamos vê-lo nunca mais", contou a mãe à equipe de reportagem no início deste ano. "Ele me disse 'um senhor me botou para fora', em catalão, que é a nossa língua. Perguntamos se ele estava ferido e ele disse que foi segurado pelo braço, mas não foi machucado". Após o incidente, o casal registrou boletim de ocorrência no 36º DP.

Racismo
Nesta terça, o delegado Nilsson afirmou que o crime é de racismo. "A investigação mostrou que o pai do dono do restaurante praticou racismo. Ele constrangeu o garoto e fez isso em decorrência das características do menino, que é o fato de ele ser etíope e negro", disse o delegado. "O homem constrangeu a criança. Pegou a criança e botou para fora. Portanto vai responder por crime de racismo. Ele faria isso com um menininho branco de olhos azuis, vindo da Suécia? Ele pegou um menino negro, etíope e que fala catalão. Ele pegou e enxotou o garoto. O menino estava sentado junto à mesa do restaurante esperando os pais irem buscar comida".

Segundo o delegado, ele se baseou nos artigos 8º e 20º da lei 776/89 para indiciar o pai do dono do restaurante. "A lei trata dos crimes resultantes de discriminação ou resultantes de raça cor, etnia, religião ou procedência nacional. O artigo 8 aborda o fato de impedir o acesso ou recusar o atendimento em restaurantes, bares, confeitaria ou locais semelhantes e abertos ao público. O 20 trata de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, ou procedência nacional".

O que diz o indiciado
Procurado para dar sua versão, Francisco Ferreira confirmou ao G1 que abordou o garoto etíope no Nonno Paolo, mas negou que tenha havido racismo. Segundo ele, o menino saiu espontaneamente do restaurante.

"O que tenho a dizer a respeito é que na época foi feita essa denúncia contra minha pessoa: que eu tinha colocado o garoto para fora. Mas foi um mal-entendido. O menino estava em uma área de risco, estava perto do bufê, olhando as panelas e não na mesa, como divulgaram aí. Ele ficava na ponta dos pés olhando para a mesa e não alcançava. Pedi a ele que ali não podia ficar. Perguntei para ele se ele estava com alguém e ele não falou nada. Ele foi para fora. Ninguém pôs ele para fora. Independente se fosse uma criança loira ou japonesa, eu jamais expulsaria ninguém", afirmou Ferreira, que disse ajudar o filho no restaurante. "Mas não sou o dono".

Ainda segundo Ferreira, o garoto deixou o restaurante por vontade própria. "Só depois soube que ele era estrangeiro. Calculei que ele estivesse com alguém pelo tamanho dele, mas pelo fato de ele não falar nada achei que estivesse ali por acaso. Tem uma feira em frente ao restaurante que ficam inúmeras pessoas. Naquela dia ocorria essa feira. Na época, colocaram o caso de uma forma que tinha posto o garoto para fora. Jamais iria tirar uma pessoa que estava sentada. Ele saiu e ficou na frente do restaurante. Foi o que aconteceu. Foi um mal-entendido que foi para a mídia dizendo que eu era racista. Sou branco mas tenho uma filha afro, registrada. Eu não tenho racismo nenhum comigo. Cerca de 70% dos funcionários são descendentes. Financeiramente a vida do restaurante abalou. Até hoje não me equilibrei ainda. O cliente dá crédito para aquilo que ouve na televisão. Eu tenho esclerose múltipla. Sou uma pessoa quase inválida, que tenta se reerguer. Discordo da decisão da polícia".

terça-feira, 3 de julho de 2012

PASTOR E DISCÍPULO SÃO CONDENADOS POR INTOLERÂNCIA RELIGIOSA; EM 2009, AUXILIAR FOI PRESO POR DEPREDAR UM CENTRO DE UMBANDA NO CATETE

Edição Adilson Gonçalves Fonte IG
Um pastor e um discípulo da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo foram condenados pela juíza Ana Luiza Mayon Nogueira, da 20ª Vara Criminal da Capital do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pela acusação de difundir, por meio da Internet, idéias de discriminação religiosa, ofendendo seguidores de outras religiões.

Tupirani da Hora Lores, o pastor, e Afonso Henrique Alves Lobato, o discípulo, pregavam através de blogs o fim da igreja Assembleia de Deus, além de praticarem intolerância religiosa contra judeus e afirmarem que as outras religiões são “seguidoras do diabo” e “adoradoras do demônio”. Eles também associavam a figura de pais de santo a homossexuais, menosprezando ambos.

De acordo com a sentença, em seu interrogatório, Afonso Henrique confirmou que sua religião prega que, “como discípulo de Jesus Cristo, deve acusar todos os outros conceitos em geral que são contrários ao Evangelho de Jesus Cristo, que não existe pai de santo heterossexual, pois todos são homossexuais; que homossexualismo é possessão demoníaca; que uma pessoa que está possuída pelo demônio não merece confiança; e que discrimina todas as religiões”. Ainda de acordo com a sentença, em nenhum momento os dois tentaram justificar suas condutas.
Tupirani foi condenado a duas penas restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e pagamento de dez salários mínimos em favor de uma entidade beneficente. Afonso Henrique foi condenado à prestação de serviço e limitação de fim de semana.

Em março de 2009, com o consentimento do pastor Tupirani, Afonso Henrique divulgou na internet um vídeo em que faz ofensas aos seguidores das religiões afrobrasileiras e às polícias Civil e Militar. No ano passado, o jovem participou da invasão e depredação de um Centro de Umbanda, no Catete

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A CRISE, A DIREITA, O FUTEBOL E O RACISMO


Edição: Adilson Gonçalves Texto:Daniel Eduardo Mafra Fonte: Geledes
Se a História se repete, sendo a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa, aproximamo-nos, pois, de um destes pontos de inflexão do eflúvio histórico: a volta da extrema direita (cabe aqui o pleonasmo "A volta dos que não foram") aos holofotes do cenário político mundial, através dos apelos racistas das classes mais abastadas da sociedade europeia – esta sempre tida como a vanguarda do pensamento ocidental – das políticas xenófobas de certos partidos políticos ascendentes no cenário europeu, e que ecoam pelo mundo afora, como vemos nas políticas higienistas do Governo do Estado de São Paulo, árvore mais que enraizada no solo da Revolução Burguesa no Brasil, por exemplo.

E pelo discurso daqueles que interpretam o atual momento político-social de nosso mundo do avesso, nada mais sugestivo que ressuscitar o bom e velho Marx pra dizer que a História parece se repetir agora como farsa. Ou uma piada de mau gosto, para ainda permanecermos polidos. Ainda...

Todos os historiadores (inclusive eu) bradam em alto e bom som que a História não se repete, que os anacronismos são demasiado significantes para analogias quanto aos acontecimentos de outrora para com o presente ou o porvir histórico. Não obstante, o que passamos a identificar cada vez mais e, sobretudo, desde que a atual crise europeia colocou em xeque os alicerces da falácia da Comunidade Europeia e da Social Democracia, é uma volta ao reacionarismo, ao racismo, à xenofobia.

Tal qual o processo histórico que se desenvolveu no início do século passado, quando o laissez faire escancarou as portas da primeira crise capitalista global, afundando as economias liberais, e acelerando a ascensão de grupos de extrema direita ao poder, sendo o nazismo e o fascismo somente dois dos tantos que se espalharam pelo globo, semelhante processo se nos apresenta agora. Tal qual uma piada de mau gosto, basta uma crise, cousa tão evidente e previsível dentro da estrutura sócio metabólica do capital, para que os grupelhos de extrema direita, xenófobos e racistas, ganhem força nos ecos dos discursos do passado, em defesa da família, dos bons costumes, da nação, de Deus, e do Diabo, se for preciso.

E há aqui um importante fato a ser considerado: a direita não mais precisa estar no poder, basta fazer-se presente sob a égide do mal para fazer o bem (conforme suas vicissitudes, naturalmente), ou vice-versa, não importa. Seu discurso ultranacionalista encontra morada na ineficiência das propostas frente à crise. É palha na fogueira.

E eis que este fogaréu, que de nada tem a ver com o nosso São João, deu as caras no evento mais pomposo do futebol internacional: a Eurocopa, que ocorre na Polônia e Ucrânia, países do leste europeu "onde há movimentos neonazistas de grande envergadura", conforme disse Osvaldo Coggiola, professor de História Contemporânea da USP, ementrevista à Carta Maior.

Discordâncias à parte, não há como não refletir sobre o processo de transformação do "progresso cultural da sociedade burguesa em regressão cultural", visto que boa parte dos integrantes destes novos partidos de extrema-direita é formada por pessoas com alto grau de instrução. E que futebol e política tem a ver um com o outro? Tudo, visto que "tudo se mistura com política, e... por que tudo se faz para que ela se misture. Por exemplo: a execução dos hinos nacionais antes dos jogos".

Dentro desta arena transcendental e de movimento pendular, ora no esporte, ora na política, os holofotes deste espetáculo da barbárie apontam para os jogadores negros das diversas seleções, alvo da intolerância e da gratuita estupidez humana, tendo como pano de fundo a conivência das autoridades, ora políticas, ora esportivas, e seus slogans superficiais e politicamente corretos. Faz-se com que capitães das respectivas seleções leiam um texto raso sobre o papel do esporte quanto à união dos povos, o 'diga não ao racismo' e mais uma meia dúzia de blábláblás e pronto! Papel cumprido! O juiz apita e tem-se início a partida. Minutos depois, a mágica da tolerância se desfaz pela contemplação do voo solo de uma banana em direção a um jogador negro... Nada se faz, pois o papel da autoridade era tal qual o de perfumar estrume diante da gravidade dos acontecimentos. Há um abismo de distância entre um discurso político e um ato de represália aos ofensores. É uma forma de se institucionalizar, mesmo que de forma latente, o racismo no futebol.

Reprodução de charge do jornal Gazzetta dello Sport que compara Balottelli, jogador da seleção italiana, ao King Kong.

Aliás, cabe aqui importante reflexão: recentemente um importante estudo, publicado na Associated Press no último dia 24/06, revelou que o foco dos cientistas que estudam comportamento e, sobretudo, pensamento animal, está em QUÊ eles pensam e não SE eles pensam. "Babuínos podem distinguir entre palavras escritas e meros rabiscos. Macacos parecem ser capazes de multiplicar e podem compreender instantaneamente uma gratificação, muito mais do que uma criança humana pode. Planejam. Fazem guerra e paz. Mostram empatia. Compartilham". Ou seja, é bastante provável que se um macaco estivesse entre os torcedores que arremessaram a dita banana ao atleta em campo, ele a comeria, ao invés de desperdiçá-la com um ato tão intragável. É bastante provável que um babuíno seja tão inteligente (ou mais) do que aquele sujeito supostamente superior, em seu ato impensado (ou pensado), mecânico, boçal.

Diferentemente de Coggiola, que atribui tais atos exclusivamente ao conflito de classes, ou a derivações do conflito de classes, penso que o racismo é causa e consequência, ao mesmo tempo. Não há como negar o conflito de classes e a exclusão das populações negras, no Brasil, por exemplo. É um racismo consequente da luta de classes. Mas há ainda algo mais. A ortodoxia marxista esbarra nas causas ideológicas e eugênicas do século XIX que persistem no imaginário coletivo das elites dominantes, detentoras do monopólio da informação, produtoras daquilo que se convencionou chamar 'opinião pública'(como se o termo presumisse a indelével afirmação de que tal opinião emana do povo).

Especificamente, direcionando a pauta para a realidade brasileira, faz-se evidente que o racismo é institucionalizado de forma velada. Seja pelo monopólio da violência exercido pelo estado contra as populações negras, seja pelas burlescas anedotas, supostamente despretensiosas, proferidas num botequim qualquer. Ainda em tempo, as medidas pontuais tomadas pelo governo federal, desde a ascensão do PT ao poder, é uma correção para a distorção do curso histórico de nosso país. Ainda assim, tal fato trouxe à tona uma série de 'pensadores' contrários à medida e ao recente parecer do STF quanto à matéria.

Mais do que tudo, o racismo está presente no silêncio de cada um de nós, ao não nos chocarmos com os fatos escancarados, que nos esbofeteiam com os chicotes dos açoites de outrora. Ao não nos posicionarmos contra, necessariamente estamos nos posicionando a favor. Não há meio termo. Não há como ficar em cima do muro. Não vejo outra forma de terminar este devaneio senão citando o Cássio, no Júlio César, de Shakespeare: "Há momentos em que os homens são donos de seu fado. Não é dos astros, caro Brutus, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos".
Ainda em tempo, e para meu deleite, na tarde de ontem a seleção da Itália venceu a seleção alemã por 2×1. Não que eu esteja torcendo por uma ou outra, mas o destaque da partida foi o italiano Mario Barwuah Balotelli, de origem ganesa. Um dos alvos frequentes de torcedores racistas, Balotelli rompeu as fronteiras do futebol. Arrancou intrépido com a bola e, em direção ao gol, chutou-a forte, tal qual um Zumbi contemporâneo-metafórico-esportivo, balançando as redes da opressão. Parou e tirou a camisa, num ato colérico e contido, paradoxalmente. Depois, cerrou o punho e elevou-o até o alto, e trouxe a nós, por efêmero momento, uma carta de alforria.